quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Educação de quarto mundo


Lya Luft - Revista Veja - Edição 2150

"Por que nos contentarmos com o pior, o medíocre, se podemos ter o melhor e não nos falta o recurso humano para isso?"
No meio da tragédia do Haiti, que comove até mesmo os calejados repórteres de guerra, levo um choque nacional. Não são horrores como os de lá, mas não deixa de ser um drama moral. O relatório "Educação para todos", da Unesco, pôs o Brasil na 88ª posição no ranking de desenvolvimento educacional. Estamos atrás dos países mais pobres da América Latina, como o Paraguai, o Equador e a Bolívia. Parece que em alfabetizar somos até bons, mas depois a coisa degringola: a repetência média na América Latina e no Caribe é de pouco mais de 4%. No Brasil, é de quase 19%.
No clima de ufanismo que anda reinando por aqui, talvez seja bom acalmar-se e parar para refletir. Pois, se nossa economia não ficou arruinada, a verdade é que nossas crianças brincam na lama do esgoto, nossas famílias são soterradas em casas cuja segurança ninguém controla, nossos jovens são assassinados nas esquinas, em favelas ou condomínios de luxo somos reféns da bandidagem geral, e os velhos morrem no chão dos corredores dos hospitais públicos. Nossos políticos continuam numa queda de braço para ver quem é o mais impune dos corruptos, a linguagem e a postura das campanhas eleitorais se delineiam nada elegantes, e agora está provado o que a gente já imaginava: somos péssimos em educação.
Pergunta básica: quanto de nosso orçamento nacional vai para educação e cultura? Quanto interesse temos num povo educado, isto é, consciente e informado - não só de seus deveres e direitos, mas dos deveres dos homens públicos e do que poderia facilmente ser muito melhor neste país, que não é só de sabiás e palmeiras, mas de esforço, luta, sofrimento e desilusão? Precisamos muito de crianças que saibam ler e escrever no fim da 1ª série elementar; jovens que consigam raciocinar e tenham o hábito de ler pelo menos jornal no 2º grau; universitários que possam se expressar falando e escrevendo, em lugar de, às vezes com beneplácito dos professores, copiar trabalhos da internet. Qualidade e liberdade de expressão também são pilares da democracia. Só com empenho dos governos, com exigência e rigor razoáveis das escolas - o que significa respeito ao estudante, à família e ao professor - teremos profissionais de primeira em todas as áreas, de técnicos, pesquisadores, jornalistas e médicos a operários. Por que nos contentarmos com o pior, o medíocre, se podemos ter o melhor e não nos falta o recurso humano para isso? Quando empregarmos em educação uma boa parte dos nossos recursos, com professores valorizados, os alunos vendo que suas ações têm consequências, como a reprovação - palavra que assusta alguns moderníssimos pedagogos, palavra que em algumas escolas nem deve ser usada, quando o que prejudica não é o termo, mas a negligência. Tantos são os jeitos e os recursos favorecendo o aluno preguiçoso que alguns casos chegam a ser bizarros: reprovação, só com muito esforço. Trabalho ou relaxamento têm o mesmo valor e recompensa.
Sou de uma família de professores universitários. Exerci o duro ofício durante dez anos, nos quais me apaixonei por lidar com alunos, mas já questionava o nível de exigência que podia lhes fazer. Isso faz algumas décadas: quando éramos ingênuos, e não antecipávamos ter nosso país entre os piores em educação. Quando os alunos ainda não usavam celular e iPhone na sala de aula, não conversavam como se estivessem no bar nem copiavam seus trabalhos da internet - o que hoje começa a ser considerado normal. Em suma, quando escola e universidade eram lugares de compostura, trabalho e aprendizado. O relaxamento não é geral, mas preocupa quem deseja o melhor para esta terra.
Há gente que acha tudo ótimo como está: os que reclamam é que estão fora da moda ou da realidade. Preparar para as lidas da vida real seria incutir nos jovens uma resignação de usuários do SUS, ou deixar a meninada "aproveitar a vida": alguém pode me explicar o que seria isso?

Horário das escolas não atende rotina de pais

Mariana Mandelli e Luciana Alvarez - O Estado de S. Paulo

Mães recorrem a parentes ou pagam alguém para ficar com crianças até chegarem em casa Para cumprir os compromissos do dia a dia, a nutricionista Rita de Cássia da Conceição, de 44 anos, depende da cooperação de seu pai, da empregada da casa e da escola onde deixa os filhos, Vitor e Pedro, de 6 e 8 anos, na parte da manhã. Os meninos estudam à tarde, mas ficam nessa outra escola no período matutino porque Rita não tem onde deixá-los - ela trabalha das 8 horas às 21 horas.
"De lá, eles vão para o colégio e, no fim do dia, meu pai busca e deixa os dois em casa, porque pago a empregada para ficar até as 22h", conta. O problema de Rita é comum para quem trabalha até tarde e ainda enfrenta obstáculos como trânsito, rodízio e chuvas, que atrasam a vida nas grandes cidades.
O horário de funcionamento das escolas muitas vezes não é compatível com a rotina dos pais. "Com a entrada da mulher no mercado de trabalho, os pais têm de constituir outra forma de organização familiar", afirma Ida Kublikowski, professora de psicologia clínica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Segundo ela, cada família deve achar as soluções que melhor se encaixem na rotina. "Normalmente é a mãe que resolve isso."
Sheila Mostaço, por exemplo, largou a carreira de organizadora de eventos, em que às vezes trabalhava até de madrugada, e voltou para a faculdade. Formou-se em Pedagogia e, hoje, quando sua filha Yasmin sai da escola às 17h30, as duas voltam juntas para casa.
Já a dentista Patricia Gemignani, de 29 anos, recorre aos pais. Ela não consegue sair do consultório antes das 20 horas e a escola onde estuda a filha Isabelle, de 4 anos, fecha às 17 horas. "A essa altura da vida, meus pais poderiam viajar e passear, mas acabam abrindo mão disso por minha causa."
Na escola que Elizandra Ariza deixa Arthur, de 1 ano e 2 meses, quem chega atrasado para buscar o filho desembolsa R$ 1 por minuto, para pagar a hora extra das berçaristas. Até agora, ela conseguiu se organizar para chegar até as 18h30. Mas foi preciso uma adaptação. Antes de ser mãe, sair do trabalho às 21 horas era rotina. Hoje, ela entra uma hora antes e também trabalha de casa.
CUSTOS
Diretores de escolas afirmam que os custos de manter a estrutura funcionando até a noite são altos. "Teria de aumentar em 20% meu corpo pedagógico e arcar com alimentação, para atender com qualidade", afirma Wagner Sanchez, diretor do Colégio Módulo, onde as aulas acabam às 17h40. Algumas escolas, porém, oferecem períodos maiores de permanência. A Villacor, na zona sul, trabalha com o integral estendido, de 13 horas. A maioria dos bebês sai por volta das 20 horas, segundo a diretora pedagógica Rosângela Castilho.