sábado, 17 de abril de 2010
Maioria de casos de bullying ocorre na sala de aula
Luciana Alvarez - O Estado de S.Paulo
Estudo com 5.168 alunos de 5ª a 8ª série mostra que 17% são vítimas ou agressores; fenômeno se alastra pela internet
Uma pesquisa nacional sobre bullying - agressões físicas ou verbais recorrentes nas escolas - mostrou que a maior parte do problema (21% dos casos) ocorre nas salas de aula, mesmo com os professores presentes. Dos 5.168 alunos de 5.ª a 8.ª séries de escolas públicas e particulares de todas as regiões do País entrevistados, 10% disseram ser vítimas de bullying e 10%, agressores - 3% são ao mesmo tempo vítimas e agressores.
O estudo, feito pelo Centro de Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor (Ceats/FIA) para a ONG Plan Brasil, mostrou o despreparo das escolas e dos professores. "As escolas mostraram uma postura passiva para uma violência que acontece no ambiente escolar", afirmou Gisella Lorenzi, coordenadora da pesquisa.
"Em outros países, o lugar preferencial de agressões é o pátio, onde costuma haver mais alunos e menos supervisão", disse Cléo Fante, pesquisadora da Plan, especialista em bullying. Segundo o estudo, 7,9% das agressões são feitas no pátio, 5,3% nos corredores e 1,8% nos portões da escola.
A socióloga Miriam Abramovay, da Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana (Ritla), diz que o resultado demonstra que o estudante não se importa com a supervisão de um adulto, pois há uma banalização da violência nas escolas. "Essas agressões não são vistas como uma violência", diz. "Em geral, os professores dizem que é brincadeira. Falta um olhar perspicaz para perceber os conflitos."
A pesquisa indicou também que 28% dos estudantes foram vítimas de algum tipo de violência dentro da escola no último ano e mais de 70% deles presenciaram agressões.
Quando se trata de agressões recorrentes, os meninos sofrem mais que as meninas: 12,5% deles se disseram vítimas, mas o número cai para 7,6% entre as garotas. O Sudeste é a região com mais vítimas de bullying - 15,5% - e o Nordeste, com a menor ocorrência (5,4%).
Rendimento. A principal consequência do bullying para a vida escolar é semelhante tanto para agredidos quanto para os agressores. A perda de "concentração" e "entusiasmo" pelo colégio foram as consequências mais citadas pelos dois lados (16,5% das vítimas e 13,3% dos agressores). "A violência na escola impede a plena realização do potencial das crianças", afirmou Moacyr Bittencourt, presidente da Plan Brasil.
Outros dados são que 37% dos entrevistados disseram que "às vezes" sentem medo no ambiente escolar e 13% afirmaram que nunca se sentem acolhidos. E, com a internet, insultos e ameaças via rede passaram a fazer parte da realidade dos alunos.
PARA ENTENDER
1. O que é bullying?
É qualquer tipo de agressão física ou moral entre pares (como colegas), que ocorre repetidas vezes nas escolas. A pesquisa considerou ao menos três vezes ao ano.
2. Qual a motivação para o bullying?
Não há motivos concretos.
Dicas para enfrentar o problema
Medo da escola
Uma criança que demonstre desconforto físico ou tristeza antes de ir para escola ou não queira participar de festas de colegas de colégio pode ser uma vítima. Procure conversar com seu filho e com representantes da escola
Novos comportamentos
Crianças que tenham mudança brusca de comportamento - eram falantes e tornam-se quietas, por exemplo - também podem estar sofrendo bullying. Pais devem ficar atentos ainda a comportamentos agressivos
Atenção e conversa
"Vítimas" e "agressores" precisam igualmente de atenção. Muitas vezes o comportamento agressivo tem motivações de insegurança e medo. O melhor caminho é mediar uma conversa franca entre os dois lados
Planos para reduzir gastos caseiros
Ana Paula Paiva - Valor Econômico
Na casa da empresária Simone Freire, conversas sobre o uso consciente do dinheiro estão na pauta do dia desde que o filho mais novo tinha cinco anos. "O lema aqui é não ser perdulário, evitar a compra de roupas de marca e avaliar a necessidade de adquirir qualquer supérfluo", diz Simone, casada e mãe de Eduardo, 21 anos; Giovana, 15 e Giulia, nove anos. A estratégia tem dado certo. Giovana acaba de voltar de uma viagem "econômica" aos Estados Unidos e Eduardo vai trocar o seu primeiro carro somente com as economias que conseguiu acumular. Além de conversas frequentes, a educação financeira da família é estimulada por uma planilha de entradas e despesas.
Segundo Simone, os filhos só conseguiram receber mesada por iniciativa da avó, a partir de 2009. Ganham de R$ 50 a R$ 150 por mês, cada um. Para ajudá-los na administração do dinheiro, montou uma planilha com as entradas e gastos mensais. "Apesar de terem mais liberdade para usar o dinheiro que recebem, não podem comprar tudo o que veem pela frente."
O filho mais velho Eduardo, estagiário em um banco há dois anos, conseguiu economizar e pagou a metade do valor do primeiro carro com o próprio dinheiro. Agora, se prepara para comprar um modelo mais novo - e vai arcar sozinho com a troca.
Segundo a psicóloga Márcia Dolores Rezende, educar financeiramente as crianças é um convite para os pais reverem crenças em relação ao dinheiro e à forma de utilizar o recurso. "Pais saudáveis financeiramente também formarão filhos saudáveis", diz. "Ao mesmo tempo, pais com postura perdulária ou de comportamento mesquinho terão grandes chances de desenvolver nos filhos crenças limitantes em relação ao dinheiro e ainda comprometerem a educação financeira da família."
Simone e o marido, que trabalha na área de seguros, finalizam a construção de uma nova casa para a família. "Discutimos com as crianças desde o preço do papel de parede que vamos usar nos quartos até o modelo dos televisores", lembra. No início do ano, a filha do meio, Giovana, preferiu uma viagem de 14 dias à Disney a uma festa de 15 anos. Levou US$ 2 mil e conseguiu comprar presentes.
Para o educador financeiro Reinaldo Domingos, o controle das finanças pode ser feito com uma reunião familiar mensal ou bimestral. "É um bom começo para que as crianças saibam que o dinheiro é um objeto de troca e que as despesas de uma casa sejam conhecidas por todos", avalia. "Quando os filhos entram nesse processo desde cedo são capazes de fazer uso consciente do dinheiro e entendem que gastar mais poderá eliminar benefícios como um presente ou uma viagem de férias."
Segundo a educadora Sílvia Alambert, uma boa alternativa para controlar os gastos caseiros é fazer um plano de economia e gastos. "Com esse hábito, fica mais fácil visualizar onde está o excedente que não permite uma vida financeira tranquila e enxergar o ralo por onde o dinheiro está escoando."
Para o consultor financeiro Márcio Nobre, fazer uma força- tarefa com toda a família para economizar em gastos essenciais como luz, água e telefone também pode ajudar a manter o orçamento doméstico nos trilhos. "A educação financeira deveria ser uma matéria básica do ensino fundamental nas escolas." (J.S.)
quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010
Educação de quarto mundo
Lya Luft - Revista Veja - Edição 2150
"Por que nos contentarmos com o pior, o medíocre, se podemos ter o melhor e não nos falta o recurso humano para isso?"
Horário das escolas não atende rotina de pais
Mães recorrem a parentes ou pagam alguém para ficar com crianças até chegarem em casa Para cumprir os compromissos do dia a dia, a nutricionista Rita de Cássia da Conceição, de 44 anos, depende da cooperação de seu pai, da empregada da casa e da escola onde deixa os filhos, Vitor e Pedro, de 6 e 8 anos, na parte da manhã. Os meninos estudam à tarde, mas ficam nessa outra escola no período matutino porque Rita não tem onde deixá-los - ela trabalha das 8 horas às 21 horas.
terça-feira, 17 de novembro de 2009
Pais devem incentivar autonomia nas lições
Pesquisa mostra que 65% acompanham o dever de casa dos filhos; educadores alertam que apoio familiar não pode substituir a escola
Quem é pai ou mãe sabe como é difícil ficar indiferente quando o filho vem cheio de dúvidas sobre a lição de casa. Há aqueles que, quando dominam o assunto estudado, tendem a bancar o professor particular. Outros têm de se segurar para não fazer a tarefa pela criança. A importância do envolvimento paterno na vida escolar é consenso entre educadores. Mas até que ponto essa interferência é benéfica?
"O ideal é que o pai dê subsídios para que a criança possa resolver a questão e saia de cena. É preciso estimular a autonomia", afirma Silvia Colello, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.
Uma pesquisa divulgada na semana passada pelo movimento Todos Pela Educação revelou que 65% dos pais nas regiões metropolitanas acompanham com frequência a realização da lição de casa. Foram ouvidas 1.350 pessoas nos Estados da Bahia, Ceará, Pernambuco, Paraná, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e no Distrito Federal.
"Quando a criança chega com a lição perfeita porque o pai ou a mãe corrigiu, o professor perde a noção de quanto ela de fato aprendeu e do quanto precisa ser retomado", explica Silvia. Para ela, a lição tem três papéis principais: exercitar uma competência que foi dada em aula, estimular hábitos de leitura e aprofundar um tema estudado por meio de pesquisa.
A especialista em práticas do ensino Neide Noffs, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, concorda. "A lição é um exercício de revisão", diz. Neide admite que é difícil ver um erro e deixar passar, mas aconselha que o pai tente ajudar a criança a chegar sozinha na resposta certa. "Se o filho não conseguir, a dúvida deve ser devolvida à escola".
Edimara de Lima, coordenadora pedagógica da escola Prima Montessori, acredita que o principal papel dos pais é apoiar a criança nos treinos de leitura. "Até que ela se torne um leitor fluente e tome gosto pela atividade é fundamental o apoio da família", diz. Ela recomenda que os pais leiam em voz alta, enquanto a criança acompanha o texto com os olhos.
A psicóloga Renata Rubano, de 44 anos, recorreu a essa técnica quando o filho João, de 12 anos, demonstrou dificuldades. "Ele fugia dos livros. Então resolvi ler junto até que ele começasse a gostar da história. Alguns capítulos ele tinha de ler sozinho e me contar. Deixou de ser uma atividade solitária".
Como trabalha o dia inteiro, Renata sempre acompanhou de longe a vida escolar de João e Helena, de 9 anos. "Não ajudo na lição, mas fico de olho para ver que tipo de dificuldades eles têm e para avaliar a escola".
DICAS
Tarefas: nunca antecipe a resposta correta de uma questão
Dúvidas: se a criança não souber resolver um exercício, tente explicar de forma diferente, para que ela o solucione sozinha
Espaço: ajude a organizar um local e horário para o estudo
Pesquisas: mostre livros ou sites em que a criança pode encontrar sozinha o conteúdo
Leitura: ajude seu filho a criar o hábito lendo textos para ele
domingo, 8 de novembro de 2009
Avaliação de Pais
Conversei com um jovem universitário que queria abandonar a faculdade. Ele está no segundo ano de um dos cursos mais procurados de uma universidade pública reconhecida.
terça-feira, 6 de outubro de 2009
Revista Estudos Feministas
Print version ISSN 0104-026X
Rev. Estud. Fem. vol.13 no.2 Florianópolis May/Aug. 2005
doi: 10.1590/S0104-026X2005000200017
RESENHAS
As novas formas de organização familiar: um olhar histórico e psicanalítico
Adriana Rodrigues
Universidade Federal de Santa Catarina
A família em desordem.
ROUDINESCO, Elizabeth.
Tradução de Renato Aguiar.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003. 199 p.
Neste livro a psicanalista Elisabeth Roudinesco percorre o caminho da história da construção da família, atravessando os percursos psíquicos, políticos e econômicos que forneceram elementos para a construção dessa instituição, desde a antigüidade até a "pós-modernidade". Demarca os períodos e acontecimentos em oito capítulos intitulados "Deus pai", "A irrupção do feminino", "Quem matou o pai", "O filho culpado", "O patriarca mutilado", "As mulheres têm um sexo", "O poder das mães" e "A família do futuro".
Ao analisar a família ocidental, Roudinesco destaca três importantes períodos caracterizados por diferentes formas de organização familiar. No primeiro período forma-se a família tradicional pautada na preocupação com a transmissão de um patrimônio. Em um segundo momento a família passa a ser construída como fruto do amor romântico. E posteriormente a família moderna, contemporânea ou pós-moderna, fundamenta-se no amor e no prazer, com uma característica de atemporalidade, ou seja, a união dura enquanto durar o amor e o prazer. Para falar dessas três fases percorre, à luz da psicanálise, o caminho da história da formação das comunidades, das nações, do Estado, das religiões.
Roudinesco apresenta o pai da família tradicional como a encarnação familiar de Deus. Sua autoridade jamais era contestada, e sua figura era sagrada: a imagem do Deus do Velho Testamento, do herói e do guerreiro. Com as transformações econômicas e políticas a autoridade paterna, imposta pela força, vai progressivamente perdendo espaço, e surge a reivindicação pela paternidade inspirada no Deus do Novo Testamento, um pai amoroso e amado, tolerante e respeitado. A família formada pela figura desse pai que respeita um "contrato social" é caracterizada pela compaixão.
Nessa nova família onde impera a compaixão, o pai aos poucos vai sendo destituído de autoridade e começa então a ressurgir a figura do feminino. O pai não é mais visto como o único responsável pela transmissão "psíquica e carnal" e a mãe assume responsabilidades nessa tarefa. Começa o temor da feminilização da sociedade.
O pai do início do século XIX, fragilizado por perder o lugar de um deus soberano, e conseqüentemente por perder a influência sobre o Estado, consegue se fortalecer através da economia. Tendo como modelo a figura cristã de José, carpinteiro e um patriarca amável, o novo pai constrói a partir de então a família econômica que caracterizou a "idade de ouro do paternalismo europeu". Como "pater famílias da coletividade industrial" assumiu a defesa da família contra a ferocidade do capitalismo nascente. Com a mesma coragem faz a defesa do operário, protegendo-o e fornecendo-lhe serviços de assistência básica. Assume então a função de "padre-padrone".
Seguindo a análise da autora, forma-se então a família econômico-burguesa, que se fundamenta na autoridade do marido, na subordinação das mulheres e na dependência dos filhos. Contudo, não é mais uma autoridade despótica; sua força é regulamentada pela lei do Estado (Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, França, 1789). O Estado passa assim a acompanhar e intervir na vida familiar, em virtude da importância econômica que as famílias passam a desempenhar, tornando-se uma das estruturas de base da sociedade, "pois sem ela o Estado só poderia lidar com massas despóticas ou tribais" (p. 40).
Roudinesco afirma que essas novas convenções exigem que o pai seja justo, submisso à lei e respeite os novos direitos adquiridos. Da mulher exige-se que seja "acima de tudo mãe, a fim de que o corpo social esteja em condições de resistir à tirania de um gozo feminino capaz, pensa-se, de eliminar a diferença dos sexos" (p. 38). O casamento ganha outra face, perdendo a natureza divina e se consolidando como um acordo consensual entre um homem e uma mulher com duração relativa à durabilidade do amor. É o precedente para a instituição do divórcio na França em 1792.
Os recém-adquiridos direitos e deveres impõem ao pai o dever de respeitar o direito dos filhos. Se o comportamento do pai não estivesse de acordo com esses pressupostos, ele poderia perder o direito de ser pai. Surgia então o temor de que a sociedade fosse dominada pelas mulheres.
No campo teórico os debates sobre matriarcado x patriarcado entram em ebulição. Autores como Morgan e Engels assumem o eixo central das discussões sobre família. Posteriormente, Freud insere-se nessa discussão, entendendo que a humanidade teve um salto qualitativo ao passar do matriarcado – mundo do sensível – ao patriarcado – mundo da razão. Entretanto, Freud, ao contrário de muitos de seus contemporâneos, não demonstrava temor a um possível domínio do feminino, muito menos de que este pudesse significar o declínio da razão.
Roudinesco acredita que a família do século XIX certamente foi abalada e reestruturada a partir da invenção freudiana do complexo de Édipo.
A família edipiana é fundada no assassinato do pai pelo filho que deseja a mãe, e que começa a questionar a autoridade patriarcal. Da mesma forma, as filhas iniciam os seus questionamentos na tentativa de romper com a autoridade materna e alcançar a emancipação sexual. Essas descobertas ocorreram em um clima de terror apocalíptico diante de uma possível supressão das diferenças entre os sexos.
Para a autora, a fim de assegurar a cada um o seu lugar, ou seja, afirmar as diferenças entre sexos, pais, filhos e gerações, Freud reúne os fragmentos que restaram da sociedade patriarcal e coloca o pai com toda a glória e divindade de outrora, reinando atemporalmente no inconsciente, através da invenção do complexo de Édipo. Estabelece, portanto, de forma simbólica as convenções necessárias para a manutenção da família, que tem como eixo central a idéia da culpa.
O filho culpado por desejar a mãe, e assassinar o pai, torna-se um neurótico atordoado por seus "escrúpulos e remorsos". Para representar esse momento do drama, Freud escolhe o personagem de Shakespeare Hamlet, que seria então o Édipo adulto. Édipo é atormentado por um inconsciente desejante. Já Hamlet, carregando as conseqüências da tragédia edipiana, é um adulto dominado por sua consciência de culpa.
Através do sofrimento de Hamlet, Freud fala simbolicamente da condição de sofrimento do homem do século XIX, ao descobrir a existência do inconsciente e perceber que não detinha o controle de si, dos seus desejos e emoções. Não bastasse isso, descobriu também com Copérnico que não detinha o controle do universo, e com Darwin que não tinha uma origem tão divina e gloriosa como imaginava. Diante disto, e "Condenado a jamais ser rei, o herói do novo século galileiano busca sua identidade. Pode ele advir como um sujeito sem se desfazer de sua soberania de direito divino? Eis a questão" (p. 69).
Roudinesco assegura que de Édipo a Hamlet Freud buscou pensar a família procurando seu lugar simbólico nesse novo momento, tendo como realidade concreta a decadência da família burguesa vienense. Uma família que não era mais formada por um pai autoritário, ou mesmo por um pai que, desprovido do poder divino, garante o poder econômico e o bem-estar geral, mas ao contrário uma família dirigida por um filho que recebeu como herança a "figura destruída de um patriarca mutilado".
A autora aponta a família edipiana como o "paradigma do advento da família contemporânea", pois, ao colocar o complexo de Édipo como uma estrutura psíquica universal, universalizava-se também um modelo de relação conjugal entre homens e mulheres que se fundamentava no desejo e não mais na coerção das conveniências familiares. Assim, para a psicanálise, o amor e o desejo, o sexo e a paixão estavam fundamentalmente presentes nesse novo momento do matrimônio.
A nova organização familiar partindo do modelo edipiano sustentava-se em três pilares: "a revolução da afetividade, que exige cada vez mais que o casamento burguês seja associado ao sentimento amoroso e ao desabrochar da sexualidade feminina e masculina; o lugar preponderante concedido ao filho, que tem como efeito 'maternalizar' a célula familiar; a prática sistemática de uma contracepção espontânea, que dissocia o desejo sexual da procriação, dando assim origem a uma organização mais individual da família" (p. 96).
Com a maternalização da família, o poder do pai passou a ser cada vez mais abstrato, e contava unicamente com seu patrimônio para afirmar seu lugar simbólico. Já o filho assume uma posição mais central na família e deixa de ser visto como um objeto, para se colocar como um sujeito que significa uma continuidade ou um prolongamento dos pais, passando então a ser desejado. O lugar da mulher em progressiva emancipação a partir do final do século XVIII – graças à organização do feminismo em movimento político – é ampliado sobretudo no campo da sexualidade. Na medida em que tem o prazer dissociado da finalidade de procriação, deixa de ser apenas esposa e mãe e vai se individualizando.
Ao perder o lugar de divindade, os homens perdiam também o controle sobre o corpo das mulheres, abrindo espaço para o desabrochar da sexualidade feminina, que surge fundada ao mesmo tempo sobre sexo e o gênero.
Com o avanço tecnológico da biomedicina, as mulheres conquistaram o controle não apenas do corpo mas da procriação, podendo, além de controlar a concepção, prescindir da participação direta do homem para a fecundação. Analisando esses fatos, Roudinesco afirma que "um fosso irreversível parece ter se cavado, pelo menos no Ocidente, entre o desejo de feminilidade e o desejo de maternidade, entre o desejo de gozar e o dever de procriar" (p. 146).
A possibilidade de formar uma família sem a necessidade do coito sexual, ou simplesmente de não desejar a maternidade, acompanhada por um crescente envolvimento dos homens na criação dos filhos, acena para uma necessidade de se repensar a instituição do casamento.
Todas essas transformações no modelo familiar tornaram essa instituição acessível também aos homossexuais, que sempre foram dela excluídos. A partir de 1965 gays e lésbicas passaram a reivindicar o direito a paternidade/maternidade e "inventaram uma cultura da família que não passava, sob muitos aspectos, da perpetuação do modelo que haviam contestado e que já se encontrava ele próprio em plena mutação" (p. 181). De qualquer forma, transgrediram uma ordem moral que já durava mais de 2 mil anos.
Chegando nesse ponto do percurso histórico, Roudinesco afirma que, ao contrário do que se pensou, a família não se dissolveu, mas se reorganizou de forma horizontal e em redes, garantindo a reprodução das gerações. O casamento perdeu o ornamento da sacralidade, e em constante declínio é hoje caracterizado pela união afetiva de cônjuges – com filhos ou não – que, buscando o refúgio das desordens do mundo exterior, unem-se não mais por uma vida, mas por um período aleatório que, como em mais de um terço dos casos, termina em divórcio, na maioria das vezes solicitado pelas mulheres, que ainda são as que inicialmente mais sofrem com os encargos dessa ruptura. Os filhos são freqüentemente concebidos fora dos laços matrimoniais, e esse quadro, que já aterrorizou muito, mostra-se hoje com naturalidade e comprova que a civilização não foi engolida por essas "desordens".
Roudinesco finaliza sua análise assegurando que, apesar das constantes transformações ocorridas na família ao longo dos séculos, ela continua a ser reivindicada por homens, mulheres e crianças, independentemente de idade, orientação sexual e classe social. Para a autora, a família "aparece em condições de se tornar um lugar de resistência à tribalização orgânica da sociedade globalizada" (p. 199), mas ressalta que para tanto a família do futuro precisa ser continuamente reinventada.
sábado, 19 de setembro de 2009
Paciência em Falta
A ideia de ter filhos hoje é absolutamente sedutora. Tornar-se mãe ou pai é um fato que nunca pareceu tão importante porque é visto como modo de se realizar, de se completar, de cumprir uma missão importante. Não é à toa que tantas mulheres recorrem a procedimentos médicos diversos para conseguir engravidar. Definitivamente, consumimos a ideia de que ter filhos é fundamental.
terça-feira, 15 de setembro de 2009
Convivência familiar
A educação de jovens e crianças passa por três segmentos: a família, a escola e a comunidade, que são instituições fundamentais na formação do cidadão e na sua preparação para o trabalho. Dessa forma, sendo a família a primeira escola do ser humano, é responsabilidade dos pais suprir necessidades básicas de seus filhos, formar atitudes e valores. A função da família é fundamental para a formação do futuro cidadão, preparando-o para a vida e para o trabalho. A família deve ser a base e a principal colaboradora das atividades desenvolvidas pela escola na comunidade. A Constituição Federal determina que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária... (Art. 227). Portanto, cabe aos pais orientar, assistir e educar seus filhos, tendo a convivência familiar como um importante instrumento para o desenvolvimento do ser humano. Nesse contexto, na agricultura familiar, tem-se um exemplo bem claro da importância da convivência familiar na educação da criança e do adolescente. A convivência é, sem dúvida, a estrutura fundamental da família, e este direito deve ser preservado e usado para a formação moral e ética do grupo familiar. E nessa formação está a preparação para o trabalho, item fundamental para a formação de um cidadão consciente. A tarefa da família de preparar para o trabalho deve ser vista e executada como uma atividade de educação, onde os pais têm o compromisso de passar o seu conhecimento, levando em consideração os aspectos culturais e sociais da sua comunidade. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) diz que é proibido qualquer trabalho a menores de quatorze anos de idade, salvo na condição de aprendiz (Art.60). Ensinar a trabalhar não é o mesmo que colocar a trabalhar, pois entende-se como trabalho infantil aquele que a criança faz para garantir o seu sustento ou de sua família, e, por isso, tem características de trabalho continuado, comprometedor da frequência escolar e da aprendizagem, das possibilidades de fazer coisas de criança, da saúde e do desenvolvimento físico e psicológico. Com base nisso, entende-se que toda a atividade desenvolvida por uma criança ou um adolescente que não prejudique sua estrutura física ou psicológica, que não prejudique a aprendizagem e que possibilite à criança fazer coisas de criança e não seja caracterizado como trabalho continuado, pode ser considerado como educação familiar e preparação para a vida. Portanto, é com base neste conceito que a convivência familiar torna-se um fator importante para a formação da criança e do adolescente. (continua) José Leon Macedo Fernandes/Biólogo, mestre em Desenvolvimento Regional, coordenador pedagógico do Projeto Verde é Vida da Afubra